GLAUCO DINIZ DUARTE Turbocompressores: entendendo o básico sobre seu funcionamento
Neste segundo post vamos tratar do grande queridinho da atualidade. Ele está presente nos motores mais modernos e nas categorias de ponta do automobilismo. A Fórmula 1 tem, a Indy tem e algumas associações brasileiras e americanas de arrancada possuem categorias exclusivas para motor turbo.
Mas o que há de tão especial nesse compressor para que ele tenha destaque tanto no uso diário quanto nas tecnologias mais avançadas do automobilismo? É isso que vamos entender.
O arroz com feijão dos turbos
Como já falamos aqui, quando a válvula de escape abre há uma expansão imediata dos gases percorrendo os dutos. E são esses gases carregados de energia não aproveitada pelos pistões que movem o rotor da turbina (que alguns chamam de caixa quente). E este move o rotor do compressor (também chamado de caixa fria). Como já vimos na primeira parte, quanto maior a velocidade do compressor maior será a pressão de saída do ar. Porém o conjunto rotativo não “descola” assim que o motor começa a operar. É necessário um fluxo mínimo para que isso aconteça, e diversos fatores influenciam esse valor de fluxo mínimo.
O primeiro fator que vamos abordar é o atrito. Dentre as partes rotativas, o eixo é a que sofre maior atrito. Pois é ele quem suporta a carga das outras partes móveis. Ele gira apoiado sobre mancais. Os modelos mais antigos de turbo usam mancais de deslizamento, em geral são montados em conjunto de três (dois mancais de deslizamento e um de escora) e são feitos em uma liga de bronze. Eles recebem esse nome devido ao modo de operação, onde o eixo desliza sobre um filme de óleo formado sobre os mancais. Essa configuração gera um atrito significativo, principalmente durante o arranque dos rotores, o que significa um maior tempo de spool.
Diminuir o lag é sempre um dos desafios para os turbos. E reduzir o atrito é um dos caminhos para o sucesso. Sabendo disso os fabricantes desenvolveram uma nova tecnologia de mancais, chamados de mancais de rolamentos. Estes consistem de um par de rolamentos angulares montados no mesmo cartucho. Por serem angulares os rolamentos dispensam o mancal de escora para conter o passeio axial. Essa característica é importante pelo fato do mancal de escora ser um dos elos mais frágeis em qualquer máquina. Outro fator que traz vantagens num mancal de rolamentos é a necessidade de um menor volume de óleo, isso reduz os riscos de vazamento nos selos e coqueamento do lubrificante.
Essas não são as vantagens mais importantes dos mancais de rolamento, pois mancais de escora podem ser fabricados com materiais e dimensões mais robustas. A grande sacada nesse caso é a redução da área de contato e consequentemente do atrito. Sendo assim, se tivermos dois turbos com geometria igual, porém equipados com mancais diferentes, aquele equipado com mancais de rolamento terá um lag menor.
Porém não há só vantagens quando falamos de dos ball bearings. Este tipo de mancal sofre aquecimento severo quando opera em altas velocidades. Como sabemos a velocidade do rotor tem relação direta com a pressão produzida. Ou seja, quando você quiser colocar seu turbão para operar nos “treizkilimei nu busti” tenha atenção ao limite de velocidade recomendado. Pois em casos mais graves os mancais podem travar e causar uma falha catastrófica do turbocompressor.
Acabamos de falar sobre o aquecimento por excesso de velocidade, mas essa não é a única e muito menos a principal fonte de aquecimento para o turbo. O calor que vem do sistema de escape, e consequentemente da turbina, é o maior causador de problemas para o conjunto central.
Enquanto o turbo está operando o óleo que lubrifica também refrigera os mancais e eixo. Mas quando o motor para, o calor é conduzido para as zonas mais frias. Então a temperatura da carcaça central se eleva, e o filme de óleo residual começa a formar depósitos de coque. Se esse ciclo se repetir constantemente ou se abusos maiores acontecerem (como dar aquele rolé maroto na madruga e logo depois de parar o carro desligar o motor) o turbo provavelmente terá uma falha catastrófica e encontraremos um eixo azulado, mancais fundidos e coque.
Para proteger o conjunto central desses riscos os fabricantes desenvolveram um novo modelo de carcaça central. Ela contém uma câmara para circulação de água. Esta opera como sistema de refrigeração auxiliar durante a operação do motor, mas a grande sacada acontece quando este para. Pois, a água pela sua grande capacitância térmica mantém todo o conjunto central em uma faixa segura de temperaturas. Esse sistema pede atenção para que funcione corretamente após a parada do motor, e aqui vamos dar as dicas de montagem para que as falhas não aconteçam.
Primeiramente temos que entender o funcionamento do sistema. Como não há bombeio forçado quando o motor para, então temos que aproveitar a corrente convecção do fluido contida na carcaça. Para isso temos que criar um termossifão, onde a saída de água (quente) deve ser mais alta que a entrada (fria). Pesquisas dos fabricantes mostraram que um ângulo de 20° apresentam os melhores resultados de refrigeração. O segundo quesito é que a linha que sai da carcaça deve ter o mínimo de curvas possível, e não deve de forma nenhum se tornar descendente em seu caminho até o tanque de expansão. Seguindo essas referências você garante que a água não fique estagnada dentro da carcaça e assim acabe com a temperatura mais alta que o ideal.
Outra modificação criada pelos fabricantes visando melhores respostas são as volutas twin scroll, por aqui chamadas de duplo fluxo. Essa configuração tem o objetivo de dividir o fluxo dos gases de acordo com a ordem de ignição, normalmente pareando os cilindros 1 ≈ 4 e 2 ≈ 3. Dessa forma o pulso de exaustão do cilindro seguinte não interfere na fase de cruzamento e admissão do cilindro anterior. Então a distribuição dos pulsos sem interferência permite que o motor respire melhor e consequentemente a turbina acelere mais rápido.
Controle e proteção do turbo
Eu não preciso repetir que turbocompressores são movidos pela energia de escape, e quanto maior o volume de gases maior será a velocidade do turbo. Só que, vocês já pararam pra pensar no que acontece se não houver um meio de controlar o fluxo de gases que entra na turbina? Como vocês devem ter imaginado, ela vai acelerar até o limite de vazão dos gases. Mas junto com essa aceleração descontrolada várias situações de alto risco acontecem, vamos listar algumas abaixo:
Dano ao motor pelo excesso de pressão de admissão;
Dano ao conjunto móvel do turbo por sobre velocidade;
Ocorrência de surge no compressor
Por isso é necessário um meio para, a partir de um ponto determinado, controlar o fluxo na turbina e consequentemente a pressão de saída do compressor. Essa função é executada por uma válvula de by pass, a wastegate. Ela permite a passagem dos gases para o duto de escape sem que eles passem pelo rotor. Há dois tipos de válvula. As internas, que ficam localizadas na própria voluta da turbina, e as externas, que são instaladas no coletor de escape antes da turbina. Em instalações OEM normalmente encontramos turbos com wastegates integradas, pois a otimização de espaço e custo pesam muito no projeto de um fabricante de carros. Para aplicações customizadas uma válvula externa oferece mais opções em instalação e melhores resultados em controle.
Assim como o sistema de refrigeração, a instalação de uma wastegate externa pede atenção a certos detalhes para que ela tenha o melhor controle possível. Primeiro, a pressão de referência para a cabeça da válvula deve vir preferencialmente do compressor, pois a referência deve evitar oscilações significativas. Segundo, a wastegate deve ter sua tomada instalada de preferência em oposição ao fluxo de entrada da turbina. Como mostra a foto acima, a válvula foi instalada numa curva, de forma que o fluxo vai de encontro à face do pluge. Essa configuração faz com que a força de oposição gerada pelos gases de escape não sofra amortização. Com essas duas atitudes o controle de pressão será mais confiável.
Além do controle da pressão e velocidade do turbo, precisamos garantir a segurança do compressor. Quando a borboleta fecha e o compressor continua enviando ar pelos dutos de admissão, o fluxo cai e a pressão se eleva a ponto tal que o volume localizado na descarga do compressor possui muito mais energia que aquele localizado na admissão do compressor. Esse diferencial alto associado ao baixo fluxo no sentindo da admissão, criam uma tendência de inversão do fluxo. A inversão ocorre até o momento quem que o diferencial de energia cai, mas o ciclo se repete mais vezes. A esses eventos damos o nome de surge. O vídeo abaixo mostra o surge ocorrendo em uma turbina industrial. Vejam como a manta filtrante na admissão do compressor é soprada para longe e a pressão na descarga oscila acima e abaixo do valor de operação normal. Isso se deve à reversão do fluxo. O som da reversão também é bastante característico do surge.
O surge é maléfico ao turbo devido aos esforços aplicados ao eixo e principalmente ao mancal de escora. Todo o conjunto rotativo é deslocado de encontro à voluta do compressor, como o mancal de escora é projetado para conter esse movimento, este acaba recebendo toda a carga anormal nesse deslocamento. Além disso, durante o surge o compressor é desacelerado bruscamente, enquanto a turbina mesmo que por frações de segundo mantém a mesma velocidade e potência. Então o eixo recebe essa carga sofrendo torção. Então agora você entende porque o surge é tão perigoso. Se ele acontecer seguidamente, tenham certeza que vamos achar partes do turbo dentro das câmaras. Mas o vídeo acima mostra um turbocompressor industrial, gigante, com muita energia! Certo, que tal vermos como isso acontece num carro? Então prestem atenção no que acontece com esse Skyline.
O vídeo mostra o surge ocorrendo em uma situação diferente da que relatamos acima. Notem que a situação acontece durante plena aceleração do motor. Significa que o compressor ultrapassou o limite de surge. A pressão de trabalho é muito alta para a vazão de ar que existe naquele momento, com isso a energia acumulada na descarga é maior que a encontrada na admissão do turbo. Então o surge acontece, o balanço de energia tende a se igualar, o compressor volta a comprimir, a pressão sobe novamente, mas não há ar suficiente e o surge acontece outra vez. Esse ciclo se repete enquanto o tuner não alivia o pé do acelerador. E nesse meio tempo o eixo sofreu abusos consecutivos, e se for o caso, o mancal de escora também. E como o próprio vídeo diz “This is the most dangerous type of surge. The kind that kill turbos and motors”, pura verdade. É o tipo mais perigoso de surge. O tipo que mata turbos e motores. Como eu disse certa vez para o meu amigo Murta, esse é o som do seu turbo gritando por ser torturado. Então amigos evitem o surge, evitem ao máximo e preservem seu investimento.
Então como proteger o seu turbo contra o surge? Simples, instale uma válvula de alívio. A válvula de alívio, também conhecida como blow off valve (BOV), atua no momento em que em que a pressão no duto de descarga eleva-se acima do valor ajustado, aliviando parte da pressão contida ali e assim afasta o risco de reversão do fluxo de ar. Essa válvula pode aliviar para a atmosfera (com aquele espirro característico) ou para a admissão do turbo, tornando o sistema silencioso, por isso essa opção normalmente é adotada para os veículos turbo de fábrica.
A válvula de alívio deve ser instalada entre o turbo e a borboleta, antes de qualquer injeção de combustível, para que a mistura inflamável não seja liberada dentro do cofre. Ela deve estar o mais próximo possível da borboleta, pois é ali onde se inicia a onda de elevação da pressão no duto. A válvula deve ser instalada após o intercooler. Pois este possui uma grande capacitância, o que interfere na atuação da válvula e põe em risco o compressor. Outro ponto importante é que a blow off deve receber uma referência de pressão vida do próprio duto de admissão antes da borboleta, pois este sinal serve para equalizar a força de atuação sobre o plugue da válvula, permitindo assim que somente a força da mola seja responsável pelo set de atuação.
Outra forma de proteção criada pelos fabricantes é a recirculação dinâmica. Ela ocorre no momento em que a pressão na área dos orifícios de sangria se eleva acima do que seria o normal para aquele ponto. O surto de pressão nesse ponto só ocorre se houver um surge acontecendo. Então nesse momento a onda de pressão entra pelos orifícios e recircula para a admissão do compressor, dessa forma o fluxo inverso é evitado em parte, reduzindo a quantidade de energia que parraria por todas as lâminas do rotor.
Essa mudança além de proteger de eventos específicos, como o fechamento da borboleta, faz a linha de surge recuar nas zonas de maior compressão. O exemplo de mapa acima mostra na zona em verde o quanto a linha de surge (vermelha) recua. Isso permite que o turbo trabalhe com pressões mais altas em vazões mais baixas, o que significa que compressores maiores podem ser acoplados a turbinas menores e assim um range maior de configurações é possível.
Além do básico
Depois de entendermos a função de cada componente, agora é hora de falarmos da “pegada” do turbo. Entendermos como cada componente influencia o momento em que o compressor entra em plena carga. Vamos nessa?
Conhecer a geometria do turbo é essencial para determinar o tempo de spool, e quando falamos de geometria a primeira ideia que vem à cabeça é a abreviatura A/R. Na verdade A/R é uma fórmula, que dá a razão entre a área A da secção transversal (admissão para a turbina e descarga para o compressor) e o raio R entre o centro do eixo e centroide da área que citamos anteriormente. Essa relação determina a geometria da voluta. Ela é mais significativa para a turbina que para o compressor, pois a área tem relação inversa à velocidade do fluxo. E a velocidade com que os gases entram no rotor da turbina é mais importante que a velocidade do ar que sai do compressor.
Relações menores nos dizem que a turbina terá um tempo de aceleração menor, então ela estará “acordada” já nas baixas rotações. A/R’s maiores mostram que a turbina precisa de um fluxo maior para entrar em ação, então o lag vai ser desta vai ser maior. No entanto aquela mesma turbina que pega mais cedo também tende a morrer mais cedo. Isso acontece por conta da restrição gerada. Com maior velocidade devido a menor área, o fluxo dos gases tende a entrar nas pás do rotor de forma mais tangencial, e esse ângulo se traduz numa maior restrição ao fluxo em altas rotações. Essa restrição gera contrapressão no escape e dificulta a “respiração” do motor.
O contrário também é verdadeiro, pois a turbina com maior A/R tem seu fluxo entrando no rotor num ângulo mais próximo ao perpendicular. Isso permite uma vazão de gases muito maior e que gera baixa restrição. Isso se reflete num menor back pressure, então o motor continuará com bastante fôlego nas rotações mais altas.
Porém a relação A/R pode ser equivocada em certas situações. Na verdade, em grande parte das situações, quando falamos sobre a voluta da turbina. Isso se deve aos formatos complexos usados pelos fabricantes na produção das volutas. Veja o exemplo na imagem acima, a mesma área em posições diferentes acaba criando raios diferentes, e consequentemente A/R distintas. Então para referências corretas de comparação busque sempre a área e não somente o A/R. Mais uma informação importante e que esse tipo de comparação só é válida se os turbos tiverem rotores de mesmo diâmetro. E mais, o rotor da turbina normalmente passa a operar em plena carga quando a velocidade de entrada dos gases ultrapassa os 20 metros por segundo. Por isso um coletor bem dimensionado para o seu turbo também é importante, se você quer saber um pouco mais.
E o diâmetro nos leva ao segundo ponto de análise na geometria do turbo, o trim. Este determina a razão entre os diâmetros de admissão e descarga dos rotores, tanto do compressor quanto da turbina. O trim nos dá referência da capacidade de vazão para o rotor (outros fatores como número e ângulo de lâminas também é determinante, mas não vamos discuti-los agora). Essa capacidade é um fator que influencia mais o compressor que a turbina, pois a vazão máxima é um fator mais importante para o compressor que para a turbina. A nomenclatura para admissão e descarga deve seguir sempre o sentido de fluxo. Então, como mostra a imagem acima à admissão do rotor do compressor é o menor diâmetro e a descarga o maior. Já para o rotor da turbina a admissão é o maior diâmetro e a descarga o menor.
A fórmula acima nos mostra como encontrar o trim de um rotor. Quanto maior o valor de trim encontrado, maior a capacidade de vazão do rotor. Além disso, se tivermos um dos valores de admissão ou descarga, tendo o trim podemos encontrar a medida faltante.
O trim nos leva a outra questão, os turbos híbridos. O vídeo acima mostra a usinagem de uma voluta de compressor. Isso é feito para que um turbo original do fabricante possa receber um rotor de compressão maior. Por essa combinação o turbo é chamado de híbrido. Com a mudança vem uma maior capacidade de vazão e compressão, mas também há efeitos colaterais. Um rotor maior tem uma maior inércia rotativa, além de executar mais trabalho pois ele comprime uma massa de ar maior. Tudo isso significa um tempo de spool maior quando comparado ao rotor anterior. Porém o maior efeito colateral está na capacidade de compressão mais alta.
Um rotor maior tem uma velocidade tangencial de lâmina maior para a rotação de trabalho (consequentemente para uma determinada vazão de ar). Como já falamos no post anterior, um compressor centrífugo transforma a velocidade (energia cinética) em pressão (energia pneumática). Então se temos uma maior velocidade tangencial, isso se traduz em uma maior força centrífuga aplicada ao ar e essa maior energia se transforma em mais pressão para uma determinada rotação.
Mais pressão para uma menor vazão nos leva em direção ao surge, e isso acontece com o turbo em plena carga. Lembram do Skyline no vídeo lá em cima? Pois é, esse é o maior risco de um turbo híbrido.