Glauco Diniz Duarte Diretor – como é produzida energia solar
Segundo o Dr. Glauco Diniz Duarte, em Janaúba, no Norte de Minas Gerais, a agropecuária é a principal atividade econômica da cidade de 70 000 habitantes. Ali a fruticultura, a soja e a pecuária vêm sendo castigadas pela maior seca da história na região. Localizada no semiárido mineiro e sob um sol inclemente durante boa parte do ano, com temperatura média de 33 graus, Janaúba faz parte do chamado Polígono das Secas. Mas o sol forte que bate ali, antes visto apenas como um infortúnio que só agrava a falta de chuva no lugar, virou uma oportunidade aos olhos de investidores. Agora, parte das pastagens improdutivas da região é fonte de renda para os pecuaristas, que arrendam suas terras para empresas que querem gerar energia solar.
Hoje, as companhias que estão investindo em fazendas de painéis fotovoltaicos miram a redução dos gastos com a conta de luz. É o caso da combalida gigante das telecomunicações Oi, que está construindo duas fazendas solares, uma em Janaúba e outra na também mineira Capitão Enéas, em paralelo às tentativas de colocar de pé seu plano de reestruturação. Cada uma das fazendas tem capacidade de geração de 5 megawatts, energia suficiente para abastecer 10.000 residências por mês.
A energia produzida em parceria com a GD Solar, empresa especializada em projetos e na construção de empreendimentos desse tipo, será injetada na rede elétrica de Minas Gerais e vai gerar créditos para ser abatidos da conta de luz de 3.000 unidades da Oi no estado, entre torres de telecomunicações e prédios corporativos. Os investimentos nas duas fazendas solares consumiram 30 milhões de reais. E o objetivo é construir outras 15 usinas do gênero no país até 2021. Nessa toada, a Oi espera economizar 30% dos custos habituais com energia. Hoje, os gastos por ano alcançam cerca de 750 milhões de reais. “Mesmo que o momento seja crítico para a companhia, é preciso olhar para o futuro”, diz Marco Vilela, diretor de patrimônio e logística da Oi.
A empreitada da Oi é parte da recente onda de investimentos em geração fotovoltaica no Brasil. Entre as operadoras de telefonia, a Claro foi uma das pioneiras. Em 2016, pressionada por uma alta de quase 60% nos gastos com eletricidade num período de 12 meses, a companhia decidiu estruturar um plano de autogeração com base em fonte solar, capaz de abater 30% dos custos de energia de 80% de suas operações — são cerca de 40.000 unidades, entre torres, lojas e edifícios corporativos.
Embora não seja dona de um painel fotovoltaico sequer, a Claro se beneficia da energia gerada nos 45 hectares equipados com painéis em Várzea das Palmas e em Buritizeiro, também cidades mineiras. “Há cada vez mais investidores dispostos a bancar esse tipo de projeto. E nós, como grandes consumidores, nos interessamos em comprar essa energia”, diz Roberto Catalão, vice-presidente financeiro da Claro.
A despeito do movimento das operadoras de telecomunicações, foi o consumidor residencial quem puxou para cima o número de sistemas fotovoltaicos em operação no país — a chamada “geração distribuída”. Em 2012, apenas 13 locais geravam eletricidade dessa fonte no Brasil (antes, os raios solares eram utilizados apenas para sistemas de aquecimento de água). Atualmente, são mais de 23.000 unidades, sendo 80% em residências.
Alguns fatores ajudam a explicar essa curva exponencial de adoção. Há seis anos, uma resolução da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) autorizou a produção própria de energia elétrica de fontes renováveis e possibilitou o repasse do excedente à rede pública de distribuição de energia em troca de desconto na conta de luz. Em 2015, outras facilidades foram incorporadas à norma. Os créditos gerados pelos consumidores passaram a valer durante cinco anos — e não apenas por três, como determinava a primeira regra. Os modelos também se diversificaram. Agora são permitidos sistemas de consumo coletivo, como condomínios e shoppings, e de consumo remoto — quando a energia é produzida num local e consumida em outro dentro da área de concessão de uma distribuidora.
Essa mudança foi o pontapé inicial para a consolidação do modelo de negócios da Órigo, empresa que se dedica a projetar e construir fazendas solares e a alugar cotas dos painéis a pequenas e médias empresas. Com uma fazenda de 1 megawatt em Minas Gerais, num espaço de 10 hectares, a Órigo consegue gerar energia equivalente ao consumo de 70 clientes — restaurantes, bares e açougues. Criada em 2010, a empresa tem entre seus investidores o fundo americano de private equity TPG e o brasileiro Mov, que tem a participação dos fundadores da fabricante de cosméticos Natura. “Vamos fazer dez fazendas neste ano, e já temos muita coisa vendida de antemão”, diz Surya Mendonça, presidente da Órigo.
O maior impulso para esse mercado, porém, veio com o aumento das tarifas de energia. Desde 2012, o reajuste médio do preço da energia no país foi de 44%, acima da inflação de 36% registrada no período. Enquanto isso, o avanço da tecnologia de produção dos equipamentos fez o preço cair 80% na última década em todo o mundo e tornou a conta ainda mais vantajosa. Hoje, a instalação de quatro painéis solares com capacidade total de 1,25 megawatt (o suficiente para suprir as necessidades de uma família de quatro pessoas) custa 15.000 reais. Em 2015, era de 30.000 reais.
Sem levar em conta as usinas em fase de projeto e construção, a geração solar atingiu a marca de 1 gigawatt de capacidade instalada no país no final do ano passado. O montante significa uma fatia inferior a 1% da matriz elétrica brasileira, amplamente apoiada na geração hidrelétrica. Mas a participação pode chegar a 5%, de acordo com a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar). Para isso, o volume de recursos nesse mercado deverá chegar a 9 bilhões de reais neste ano e se manter nesse nível. A estimativa é que os investimentos acumulados no setor cheguem a 125 bilhões de reais até 2030.
Isenção de imposto
Hoje, o estado que lidera a corrida solar no Brasil é Minas Gerais, com 5 000 sistemas instalados. Não é à toa. O estado foi o primeiro a isentar a cobrança de 30% de imposto sobre circulação de mercadorias e serviços que incidia sobre a troca de energia entre consumidores e concessionária. Por lá, o tempo de retorno do investimento do consumidor num sistema fotovoltaico é um dos menores do país: entre quatro e cinco anos. Em São Paulo, o investimento se paga em seis anos. Hoje, 23 estados aderiram à medida, com exceção de Amazonas, Paraná e Santa Catarina.
Diferentemente do que se viu com a exploração da fonte eólica nos últimos anos, concentrada no Nordeste, a região em que são registrados os maiores níveis de irradiação solar do país tem baixo índice de aproveitamento dessa fonte. A razão é que não há vantagem financeira. “A tarifa média de energia nos estados do Nordeste é menor, e isso se deve, em parte, a subsídios do governo no preço para os consumidores mais pobres”, diz Juliano Assunção, professor na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Com tarifas artificialmente mais baixas, as projeções de rentabilidade do investimento em solar na região são menores.
A inserção de um número cada vez maior de unidades autoprodutoras de energia solar no sistema brasileiro pode mexer com o modelo tradicional de atuação das concessionárias. A Eletropaulo, responsável pela região metropolitana de São Paulo, recebeu 600 pedidos de geração solar distribuída apenas em 2017 — o dobro do registrado no ano anterior. Desses, 350 foram conectados à rede da concessionária, que banca a própria conexão. O volume ainda é irrisório se comparado com a base de 7,4 milhões de clientes da Eletropaulo, mas o tema é recorrente em suas discussões de planejamento estratégico. “Vamos precisar de um nível de automação de gestão da rede ainda maior”, afirma Artur Tavares, vice- presidente de operações da Eletropaulo.
Ele se refere ao conceito de smart grid (“rede inteligente”), que, por meio de sensores, medidores sofisticados e do uso de big data, facilita o controle remoto das redes em tempo real e se antecipa a problemas como queda de tensão, além de oferecer informações diá-rias sobre as curvas de consumo. Hoje, os dados coletados são mensais. As concessionárias alegam que terão de investir mais nas redes para acomodar os autogeradores que estão chegando — um pessoal que, ironicamente, apostou na energia solar para pagar menos conta de luz.
Antevendo uma possível queda na receita, as distribuidoras querem discutir a configuração das tarifas. Atualmente, não há separação entre a energia consumida e o custo da infraestrutura de distribuição na conta de consumidores comuns. O pleito do setor é que a chamada “conta do fio” seja cobrada de quem tem o próprio sistema gerador e acaba usando a rede da concessionária.
Ainda não há uma proposta sobre a divisão da tarifa, mas o tema foi posto em consulta pública pelo Ministério de Minas e Energia. A regulação do setor deverá ser revista em 2020. “A atualização do marco regulatório tem de vir como oportunidade, não como desincentivo ao poder de escolha do consumidor de gerar a própria energia”, afirma Rodrigo Sauaia, diretor da Absolar. A projeção da Aneel é que, até 2024, cerca de 800.000 unidades de microgeração estejam em funcionamento no Brasil. Isso poderá acarretar uma perda de 1,1% de mercado para as distribuidoras, segundo projeções da agência.
Disseminação
O mercado já se prepara para uma popularização. Há no país cerca de 3 000 empresas: são comercializadoras, projetistas e instaladoras de sistemas fotovoltaicos, atuando em modelos diversos. O aumento da demanda não foi suficiente para dar forma a uma indústria nacional de painéis fotovoltaicos. São poucas as fabricantes no país, já que há isenção de impostos para a importação de um painel completo — mas não para peças, o que gera uma desvantagem tributária de 30%.
Uma delas é a BYD, chinesa com 40 fábricas no mundo, entre painéis solares, veículos elétricos e baterias, que faturou 17 bilhões de dólares em 2017. Em fevereiro do ano passado, a BYD inaugurou uma de suas maiores fábricas de painéis em Campinas e começou a vender equipamentos para grandes projetos, com mais de 80 megawatts de capacidade. Mas o planejamento mudou no meio do caminho. Nos próximos meses, a BYD pretende entrar no mercado de microgeração, que deverá compor até 50% do negócio, bem mais do que os 10% previstos anteriormente. O grupo CPFL também é um dos que -querem lucrar com a energia solar.
Agora parte da estatal chinesa de energia State Grid, a CPFL criou em 2017 uma empresa independente, focada na alta da demanda por geração solar distribuída: a Envo, voltada para o mercado de pequenos estabelecimentos comerciais. Antes disso, em 2016, a CPFL já havia dado início à instalação de painéis solares para 200 consumidores de Campinas, no interior de São Paulo, a fim de avaliar o impacto da microgeração em redes elétricas de baixa tensão, aproveitando um fundo de incentivo da Aneel à pesquisa em eficiência. “Essa modalidade avançou em todo o mundo e vai chegar aqui também, ainda que com atraso”, diz Karin Luchesi, vice-presidente de operações de mercado da CPFL.
A expansão brasileira ainda é tímida se comparada à corrida solar mundo afora. Estima-se que o Brasil esteja 15 anos atrasado na adoção dessa fonte. A China, que por muito tempo foi marcada pela produção de energia suja, com a queima do carvão mineral, superou a pioneira Alemanha na capacidade instalada de geração: 130 gigawatts, o equivalente a 80% de toda a matriz elétrica brasileira. A China também se tornou a maior fabricante de painéis solares do mundo.
Nos Estados Unidos, a fabricante de carros elétricos Tesla, do bilionário Elon Musk, ultrapassou a fronteira dos sistemas fotovoltaicos comuns para criar uma telha solar, que gera energia e substitui a telha tradicional. Musk quer atrelar ao sistema a venda de pequenas baterias capazes de armazenar energia para ser consumida quando o sol não inside — hoje, o grande gargalo da energia solar. O mercado menos regulado também é um incentivo à adoção da energia do sol. Em vários estados americanos, a exemplo da Califórnia, é possível vender o excedente produzido pelos painéis aos vizinhos — o que é impossível no mercado brasileiro, onde o livre comércio de energia só é autorizado para grandes consumidores.
“Precisamos elevar o nível de conhecimento das pessoas que, apesar de interessadas, ainda acham que gerar energia solar é complicado e arriscado”, diz Ítalo Freitas, presidente da AES Tietê, braço de geração do grupo AES no Brasil, e que hoje já atende empresas como a rede Drogarias Araújo e o Hospital Albert Einstein com energia solar. A combinação entre regulamentação inteligente e custos mais baixos pode finalmente tornar viável em larga escala uma das fontes mais limpas de energia. Por ora, no Brasil, o sol é forte, mas ainda não é para todos.